terça-feira, 13 de setembro de 2011

Espelho

Acredita que tenho uma capa que por vezes esconde uma parte de mim.
Vês-me?
Frágil.
Mas na verdade sou:
Forte
Decidida
Determinada
Não é assim que me imaginas?
O que mostro nem sempre é o que corresponde à realidade.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Deixei a porta entre-aberta. Num ápice subiste a escadaria que, às vezes, parece interminável. Lembro-me de te ver a entrar de rompante,de t-shirt preta e com um ar angustiado. Reparei logo que não tinhas o cabelo meticulosamente penteado, talvez tivesse sido a pressa de chegar que não te deixou, com a maior das perícias, proceder aquele gesto tão habitual.

Chegaste até mim. Eu sorri-te, como se de um dia normal se tratasse, mesmo sabendo que os meus olhos não sabem mentir (e muito menos a ti). Apertaste-me com força, mas tentar acalmar alguém que está completamente apático é sem dúvida uma tarefa mais complexa do que parece.

Fugi pelo meio dos teus braços em direcção à sala. "Antes de ir embora tenho que arrumar a casa". Queria adiar aquele momento e por isso qualquer coisa servia para me manter mais tempo dentro daquelas paredes. "Não é melhor irmos e depois fazes isso?". Dizias, enquanto me fitavas com um olhar carinhoso e preocupado. Aquela indiferença toda mexia contigo. "Eu estou bem, já sabes que não gosto de deixar as coisas desarrumadas". E continuei, assim, na minha lide, até já não saber mais o que inventar. "Vamos?". Preferia continuar a fugir à realidade, mas como era inevitável mordi os lábios para prender o choro. Bati a porta e seguimos. As pernas mal sabiam dar forma aos passos. Ia a tremer, mas não ia sozinha.


Afinal, não são só as coisas más que ficam.

sábado, 16 de abril de 2011

Conversa

São precisamente sete horas e quinze minutos. Não estava a espera, acredita. De todo que nunca me passaria pela cabeça que me ligasses a estas horas.


Sentei-me na cama. Sabes quando acordas tão rápido que ficas sem entender se é um sonho ou não? É assim que me sinto. Atarantada, confusa e , confesso, um pouco ensonada.



Vesti rápido as primeiras peças que encontrei. (Não precisas de saber que todos os dias pensava na melhor combinação,caso fosse ter contigo.) Uma coisa qualquer, tal e qual como o momento.



Comecei a correr para não me atrasar. (Aposto que não imaginas que vim muito devagar. Tinha medo, queria pensar detalhadamente no nosso diálogo.)



Quando cheguei ouvi-a o coração a bater desalmadamente. De certeza que vir a correr até aqui acelerou o meu ritmo cardíaco. (Se não te olhar nos olhos evito que descubras que o coração não bate muito rápido apenas quando se corre.)



Ainda não consegui dizer uma palavra. A respiração está um pouco ofegante e sinto que as mãos tremem, as pernas tremem. Toda eu tremo. Um situação normal para quem veio a correr o caminho todo.



Escutei tudo o que tinhas para me dizer, acho que ainda consigo reproduzir o discurso. (Sinceramente só me lembro de algumas palavras, de umas frases. Sei que é estranho mas não me recordo, apaguei ou nem consegui assimilar na memória. Lembro-me de cruzar ligeiramente o olhar e lembro-me do perfume, não fosse eu associar um momento a uma fragrância.)



Quando te calaste acho que ficamos uns segundos à espera que algo acontecesse. (Confesso, pelo menos, eu fiquei.)



E quando viramos as costas achei o gesto mais natural de sempre. Quando duas pessoas terminam uma conversa despedem-se e vão-se embora.



(E enquanto ias, eu pensei. abraça-me. Às vezes não precisamos de dizer nada e o silêncio fala por nós. Sinceramente não consigo falar e , também, não são as palavras que me acalmam. Abraça-me bem.)

domingo, 28 de novembro de 2010

Estória

Segreda-me ao ouvido, baixinho e devagar. Segreda-me de leve, com carinho e doçura. Conta-me aquela estória. Diria que já não adormeço com ela a ecoar nos ouvidos há tempo demais. Ainda não sabia ler, era por isso que eras tu, que com delicadeza, abrias o livro. Repetidamente, rotineiramente, embalavas-me com uma aventura que já parecia minha. E eu, repetidamente, rotineiramente, adormecia, mesmo sem muitas vezes chegar a ouvir o final.
Já sei que cresci, aliás, crescemos os dois, mas há coisas que não deviam mudar. Podias vir, de mansinho, segredar-me ao ouvido aquelas palavras, que apesar de já saber de cor, me parecia sempre novas, sempre diferentes. Entusiasmava-me aquela estória, apesar de ser sempre a mesma.
Agora, mesmo que não penses o mesmo, o problema não está em me ter cansado de ouvir aquelas palavras, todos os dias. O problema está em me teres deixado de contar, baixinho, devagar, com carinho e doçura, aquela estória.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Boleia

Ele enervou-se e saiu de casa. Num gesto apressado e agressivo acumulou as roupas dentro da mochila. Não pensou duas vezes e bateu a porta. Começou a andar em direcção à estrada. Sentou-se na berma a contar as moedas que tinha no bolso.

- Então pá. Queres que te leve a algum sítio?
- Sim.
- E vais para onde, afinal?
- Não sei, dá-me boleia para qualquer lado.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

"Na sua voz transparecia uma certa nostalgia : a juventude sente sempre nostalgia, está eternamente saudosa duma pátria ambígua, indiferente e assustadora que se chama mundo"

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Quando voltas?

Porto, 3 de Agosto de 2010


Minha querida.

Já passaram alguns meses desde que foste embora. Por cá as coisas continuam iguais, mas todos dão pela tua falta. A tua família liga, dia sim/dia não, a perguntar quando voltas. As vizinhas, sempre que me apanham na rua, querem saber de ti, o que estás aí a fazer, como está a correr, e quando é que chegas. Encontrei as tuas colegas de trabalho, no supermercado, e sabes o que disseram "Então. Quando é que ela vem?". O que me deixa mais triste é não saber o que lhes responder. Porque, na verdade, nem eu sei quando voltas, e se voltas. Tenho muitas saudades e muita vontade que chegues. Por outro lado, magoa-me enviar-te cartas sucessivas e nunca ter resposta. Só queria saber uma coisa:

"Quando voltas, meu amor?"
Com carinho,
Gonçalo
Ps: Responde a esta, por favor.


segunda-feira, 12 de julho de 2010

Fragrância

Ainda sinto o teu cheiro a entrar-me pela casa, pela primeira vez. A medo, muito a medo. Nenhum de nós sabia bem porquê a casa, porquê o cheiro. Sabíamos que estávamos bem ali, eu sabia. Sabia mesmo. Talvez na altura não soubesse tão bem como agora. Típico do ser humano. É uma característica comum da humanidade: esperar que o jogo acabe para lamentar o que podia ter sido feito de forma diferente. Lamentar depois de perder.

Ainda tenho a pele quente, do calor da mão dada.A blusa amarrotada pelo abraço arrepiante. E o cheiro. O cheiro era forte demais. Transportava-me. Sempre fui sensível às fragrâncias. Sempre fui capaz de me transportar para momentos, para lugares, apenas com um cheiro. Mas o teu, o teu era diferente. Especial. Demasiado especial para desaparecer, assim tão repentinamente.

Foi por isso que quando entrei em casa o teu cheiro ainda lá estava. Fechei as janelas. Tranquei a porta. Não queria por nada que aquela fragrância fugisse dali. Típico do ser humano. Tentar preservar uma coisa que com o tempo desaparece. A mim não me parecia difícil. Quem quer muito uma nuvem sobe ao cimo das árvores. E a mim já me disseram que era capaz de trepar árvores. Agarrei-me a esse pensamento. Com a porta trancada e as janelas fechadas. Desci as persianas. Era mais seguro. Completamente às escuras. A preservar a tua fragrância. Não sabia bem por onde andava, dentro da minha própria casa. Mas pelo menos ainda sentia o cheiro. O teu.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Jogo

Primeiro compras. Depois passas dias a tentar aprender , a saber todas as técnicas, todas as tácticas de cor. Passas de nível. Há pessoas que ficam de tal forma que se não vêm mais nada. Que passam horas e dias com aquilo. Vicias-te. Depois, de tanto usar, já conheces tudo. Já sabes os truques, já passaste todos os níveis. Já não ficas até de madrugada. Já não corres para a loja quando sai a nova versão. É assim. Muito simples. Demasiado simples. E de tão simples torna-se complicado. Um jogo.

sábado, 5 de junho de 2010

Casa

- Mamã, porque é que vamos mudar de casa?
- O nosso tempo nesta acabou, meu querido.
- Mas eu queria ficar.

Ela tentou disfarçar. Tentou fingir que não ouviu. Simplesmente não lhe queria responder. Não ter que lhe dizer que ela também queria ficar.

Torna-se complicado explicar a uma criança de cinco anos que vai mudar de casa. De amigos, de cidade. Explicar que o quarto vai ser diferente. Os brinquedos já não vão estar na mesma estante. E se ele fizer birra porque simplesmente não quer? Porque é uma criança e sente que tem todo o poder para dizer "não", porque não.
E ela?
Ela bem queria transparecer que era o melhor para eles. Que as oportunidades naquela cidade se tinham esgotado, e a melhor solução era partir. Ela bem queria parecer serena, calma. Muito menos queria que ele notasse que a voz dela tremia. Torna-se complicado explicar a um adulto de 25 anos que vai mudar de casa. De amigos, de cidade. Explicar que o quarto vai ser diferente. O cheiro da cidade, que já sabia de cor, não se vai fazer sentir.
Há uma dada altura em que reparamos que as coisas não nos pertencem. Aquela casa era apenas alugada, pena ela se ter afeiçoado demais. Pena se ter envolvido demais.

"Nós somos o sítio que nos faz falta." Ou muita falta.