terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Cegueira

Cegos. Dominados por uma cegueira extrema. Não vêem. Passeiam pelas ruas, em aglomerado. Um mar de gente a pisar a calçada, num ritmo acelerado, quase aos encontrões. Entram e saem, entram e saem, movimento que já parece automático. Saem com mais ou com menos. Mais sacos, muitos mais, recheados de embrulhos e laçarotes. Menos dinheiro, menos cheques, ou então um cartão multibanco ou de crédito um bocado mais gasto.
Cegos. Dominados por uma cegueira extrema. Não vêem. Fingem não ver, ou ignoram a mão estendida que se apresenta à frente deles. Um ser estranho que lhes pede dinheiro, um ser tão estranho como a menina que está na caixa da Massimo Dutti. Uma diferença entre eles: a menina da caixa dá em troca um casaco de pele, da última colecção, a menina pobre da rua dá apenas um sorriso rasgado de agradecimento.
Cegos. Dominados por uma cegueira extrema. Não vêem. Quando eles estão sentados na rua ainda levam com as sacas na cara, é tanta confusão, tanta gente, quase não há espaço. Para piorar a situação a rua está cheia de enfeites, de luzes, de bolas, de sinos. Quase não há espaço para eles. Um espaço que ao cair da noite se torna demasiado. Demasiado espaço para uma solidão tão grande.
Sabiam que quando cai a noite, na mesa deles não há nenhum peru recheado, bacalhau, bolo-rei ou rabanadas? Sabiam que não há mesa, não há pinheiro, não há fitinhas douradas, nem presépio? Sabiam que não há sala, não quarto, não há cozinha? Sabiam que não há tecto?
Cegos. Dominados por uma cegueira extrema. Não vêem. Esqueceram-se da importância do abraço, do afecto daqueles que nada têm. Olhos que só se abrem para ver bens fúteis, desnecessários. Esqueceram-se que enquanto se preocupam em arrumar a sala, cheia de papéis de embrulho rasgado, existe alguém que só precisava de um prato de comida. Aquele prato de comida que deitaram ao lixo. O Diogo fez birra, e não comeu. Era esse prato.
E ainda temos coragem de dizer: É Natal.

2 comentários:

Anónimo disse...

Temos jornalista, é a única coisa que consigo dizer.
Escreves 'jornalisticamente' bem:D

Anónimo disse...

eu costumo dizer:
bom carnaval em vez de feliz natal.
resumiu?

Gosto do teu estilo literario.